terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Cabeça de Plebeu

Léo Rosa de Andrade

Parece-me, mesmo a mim que a faço, uma afirmação absurda. Mas a verdade é que devia ser agradável ser plebeu. Plebeu – registra-se que desde Roma, eu defendo que desde sempre – é o povo vulgar, a ninguenzada contente, ainda que cheia de motivos mais para sofrer do que para se contentar. Nobre é tradição nobiliárquica, coisa augusta, fidalga, majestosa, sublime. Não sou eu que estabeleço a diferença, são os dicionários. Plebeu merece pouca consideração. Nobre recebe sinônimos elevados. Os plebeus sustentaram os nobres desde sempre. É permitido supor – continuo contrariado com a minha admissão de possibilidade – que a plebe em geral apreciava isso. Consta que um plebeu gostava de se gabar, dizendo que seu senhor era muito mais senhor que o senhor de outro plebeu.
O que era necessário fazer para ser plebeu? Nada demais, só nascer do lado de fora dos muros do castelo. Pronto, era plebeu. Para ser nobre, também não se fazia coisa nenhuma. Bastava ser parido ao amparo do leito de quem tinha um título de nobreza. Filho de nobre, nobre era. Biologicamente, uma diferença que nem se via por fora. Plebeu tinha sangue vermelho, nobre era diferençado com sangue azul. Os plebeus estavam convencidos disso. Outra circunstância que determinava as posições era a vontade divina. Os plebeus também estavam convencidos; acreditavam em um deus e se o seu próprio deus decidira assim, então era assim. Isso podia parecer estranho a um plebeu mais inteligente, mas como os desígnios divinos eram escritos em linhas tortas, eram mesmo difíceis de compreender. Estou convencido de que, pelo menos, era singelo ser plebeu: bastava ser tolo e acreditar em bobagens.
O mundo não é justo. A culpa é dos plebeus. Os plebeus sustentam as coisas como foram e como são. Casou-se, há trinta anos, uma mulher de nome Diana com um sujeito chamado Charles. Isso não teria, em si, nenhuma relevância. Mas Diana casou-se com o príncipe herdeiro da Inglaterra. Isso se tornou o episódio social mais destacado da época. Mais de um bilhão de pessoas emocionaram-se às lágrimas ao ver as festas pela televisão. O mundo tomou-se de pranto deslumbrado sem nem saber bem por quem. A “culpa” foi da monarquia inglesa? Nada, foi da plebe. Uma plebeia qualquer se casava com um príncipe, e isso bastava para o estado geral de comoção. Sujeição voluntária de plebeu.
Daianes. Há milhares de Daianes. A plebe acredita ser uma justa homenagem à princesa inglesa. A vassalagem começou lá nas notícias da boda. Kate se vai casar com William. Os cartórios esperam milhares de Queites. Elas virão. Consideração a quem, mesmo? Ora, a alguém, não se sabe bem quem, que vai casar com o príncipe, filho daquela princesa que casou e depois morreu. Haverá gente importante, roupa cara, brasões e muita televisão. Um passeio de carruagem permitirá que a choldra abane aos senhores do reino. O herdeiro, no futuro, porá sobre a cabeça uma coroa de ouro e pedras preciosas. O ouro e as pedras podem ter vindo de alguma colônia britânica, ou tomados da Espanha ou de Portugal. É seguro que foram minados por gente, e com aflição. Sua descendência se orgulhará: o trabalho de seus antepassados coroando um nobre. Não é lindo? Não, não é. Já somos declarados iguais. Lamento quem guarde uma cabeça de plebeu.

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