sábado, 2 de junho de 2012

Arma sem munição

Em 2004 fluía pelo ar uma teoria garantista com então respaldo do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de que arma de fogo sem munição não configurava crime. Algumas vozes pediam socorro, aduzindo serem tremendamente equivocados os fundamentos daquela tese em foco. Dentre tais opostos, figurava eu, em artigo intitulado “Arma de Fogo Desmuniciada”, amplamente publicado na época.
Indignado, asseverava o óbvio e cria que, um dia, o axiomático, o evidente, o incontestável emergiria daquele fuzuê medonho e tudo voltaria ao normal, ou seja, o delegado de polícia poderia voltar a autuar em flagrante o delinquente que estivesse em uma esquina escura, se flagrado fosse portando uma arma de fogo desmuniciada.
A propósito, segue excerto do artigo suprarreferido, onde expusera eu similar inquietação: “Quantas vezes por semana são apresentados nas delegacias de polícia de nosso País delinquentes contumazes, com antecedentes por delitos tais como roubo, os quais foram flagrados portando arma de fogo sem munição em uma esquina escura das nossas ruas, parados ali como se estivessem esperando um transeunte desavisado? Seria lógico o delegado de polícia não lavrar prisão em flagrante, porquanto aquela arma de fogo desmuniciada não possuiria o condão de causar ofensa aos bens jurídicos tutelados pelo Estado? Por acaso os sujeitos passivos de roubo costumam interromper a ação dos delinquentes, a fim de vistoriar as suas armas, com o escopo de constatar se estão, ou não municiadas? Deixo aos leitores a reflexão sobre o tema.”
Pois aquela teoria garantista exagerada é coisa do passado. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, recentemente, concluiu o julgamento conjunto de três Habeas Corpus (HCs 102087, 102826 e 103826) impetrados em favor de cidadãos que portavam armas de fogo sem munição. Por maioria de votos, o colegiado entendeu que o fato de o armamento estar desmuniciado não descaracteriza o crime previsto no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), que pune com pena de reclusão de dois a quatro anos, além de multa, quem porta ilegalmente arma de fogo de uso permitido.
A decisão de hoje reafirma posição que já vinha sendo adotada no STF: a de que o Estatuto do Desarmamento criminaliza o porte de arma, funcione ela ou não. O julgamento foi retomado com o voto-vista do ministro Gilmar Mendes, que abriu a divergência e foi seguido pelos demais integrantes da Turma. Para o ministro, a intenção do legislador ao editar a norma foi responder a um quadro específico de violência, não cabendo, nesse caso, discutir se a arma funcionaria ou não.

ROGER SPODE BRUTTI

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